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O Sopro

  • Carlos Machado Jr
  • 3 de fev
  • 3 min de leitura

Atualizado: 2 de jun

Tudo pode ser pensado à luz da filosofia — até mesmo um sopro.


Isso mesmo, um ato fisiológico simples que à primeira vista pode não despertar interesse, quando colocado sob um olhar filosófico nos revela inúmeros ensinamentos e uma imensa variedade de significados que nos levam a refletir como a vida se manifesta sempre de dentro para fora.

 

Sobre o sopro, apresentarei de forma breve, um pouco do simbolismo e das boas práticas relacionadas ao ato de soprar.

 

No Antigo Testamento em Gênesis 2:7, está escrito: “Então, o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas nas narinas o fôlego da vida, e o homem se tornou um ser vivente.” De forma semelhante, no Novo Testamento, diversas passagens traduzidas do grego pneuma como “espírito” enfatizam a ideia do Espírito de Deus habitando o homem por meio do sopro divino.


No Alcorão, similarmente é mencionado que Deus soprou Seu Espírito em Adão, conferindo-lhe vida e dignidade especial.


Entre diversos povos e religiões ancestrais, o sopro ocupa um papel central em suas filosofias e práticas. No Islamismo, por exemplo, a prática do Sopro Sufi (dhikr) é uma forma de comunicação repetitiva e devocional que busca a união com o divino.

 

Nas culturas indígenas das Américas, o sopro é igualmente símbolo da criação. Na cosmogonia Guarani, Tupã molda o primeiro homem com barro e sopra em suas narinas para lhe dar a vida. Nos dias seguintes, sopra em sua boca, conferindo-lhe fala, e nos ouvidos, para lhe conceder a audição.

 

Saindo um pouco da figura representativa na história, podemos observar o sopro presente em nosso cotidiano, para além do sopro divino.

 

Dizemos “um sopro de esperança” quando algo nos traz uma reviravolta positiva e renova nossas expectativas.

 

Nos aniversários, sopramos as velas como parte de um gesto carregado de celebração, gratidão e novas metas.

 

Quem não se lembra, na infância, do sopro da mãe sobre os machucados que adquirimos em brincadeiras, como um gesto de amenizar a dor?

 

Há também aquele momento em que, com a pressa de saborear uma comida que ainda está quente, recorremos a sopros para resfriá-la, quase em malabarismos bucais.

 

Um sopro mais forte e controlado nas mãos nos auxilia no aquecimento em dias de frio elevado.

 

Balões, decorações, boias e brinquedos, dependem de muito sopro prévio para ganharem forma e oferecerem diversão.

 

Mesmo em emergências, o sopro desempenha um papel vital. É a base de uma das manobras mais conhecidas de primeiros socorros, a respiração boca a boca, usada para reanimar uma pessoa.

 

E o que dizer da magia dos instrumentos musicais de sopro? Esses instrumentos, que requerem técnica e controle. Instrumentos que têm uma forte relação com a história de povos antigos e até mesmo com o culto às divindades.


Da Síria antiga até os dias de hoje, usa-se o sopro como técnica artesanal para moldar vidros.

 

Alguém em um momento de intimidade já sussurrou ao pé de ouvido de outra pessoa? Esse sopro, com ou sem palavras, é uma forma de transmitir seus anseios ou de revelar seus segredos.

 

Nas tradições hindus e budistas, a respiração é um elemento essencial, especialmente em práticas meditativas. De forma similar, no taoismo, o ato de expirar e inspirar reflete a dualidade do yin e yang, mostrando que um depende do outro e nos fazendo pensar que mesmo expirando com as melhores das intenções, precisamos igualmente pensar sobre as intencionalidades de como inspirar.

 

Diante disso, concluo que o soprar como ato virtuoso, requer intencionalidade e técnica, ajustando-se ao contexto em que é realizado. O sopro não pode ser displicente e não o é. Um sopro descuidado ou desprovido de técnica pode se tornar um bufar – algo que, por sua rudeza, contraria a sutileza do sopro bem executado. Tente, por exemplo, tocar um instrumento de sopro sem preparo ou técnica, e observe a sonoridade que resulta.

 

Soprar é uma manifestação de desejos nobres e boas intenções. É uma inspiração de dentro com potencial para modificar o mundo.

 

Por isso, sopre mais, sopre sempre. Ou assobie.

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